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23 de abril de 2014

Das coisas que competem aos poetas

Ilustração de Helen Dardik


Nas terras onde os sinos andam pelas ruas

há horas surdas sós e sem cuidados

há mar condicionado ao possível verão

e vendem-se manhãs e mães por três ideias

Nas terras onde a música é o fogo de artifício

a camioneta curva a carga sob os plátanos

e à sombra dos lacrimejantes carros

o gato dorme a trepadeira sobe

o soba grita nunca ninguém sabe

a erva cresce e as crianças morrem

O mar aceita chão a mão do sol

Que plural deplorável o da magna agência mogno

E nas tílias há riscos dos vestidos de retintas raparigas

e o dente resistente número quarenta cheira a Pepsodent



Ruy Belo, in Todos os poemas, Assírio&Alvim, 2000, p. 155

A poesia revela o poeta

Ilustração de Laimonas Smergelis

Para mim, a poesia não é instrumental. Eu não levo um programa de ideias para expressar na poesia. A poesia é que me revela. O poema é que me mostra o que eu ando a dizer. E daí talvez uma intensidade. Porque o poema não se faz de ideias, não se faz só de palavras, faz-se de uma experiência e, nessa experiência, está o que somos.


Tolentino Mendonça, in "Estante", Fnac, nº 1, primavera 2014, p. 23