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31 de julho de 2013

O cultivo de flores de plástico

Ilustração de John Blake

Andamos a regar flores de plástico, é isso que fazemos. Temos coisas que não servem para nada. É tudo plástico. E nós regamos essas flores e esperamos que cheirem a coisas boas. Mas é plástico. Temos coisas, em vez de tentarmos ser felizes, substituímos a vida por plástico e o próprio plástico por plástico. Trabalhamos para regar uma vida destas.

Afonso Cruz, in O cultivo de flores de plástico, Alfaguara, 2013, ed. limitada, nº 0544, pp.53-54

O lado de fora



Ilustração de Catrin Welz-Stein
Eu não procuro nada em ti, 
nem a mim próprio, é algo em ti
que procura algo em ti
no labirinto dos meus pensamentos.

Eu estou entre ti e ti,
a minha vida, os meus sentidos
(principalmente os meus sentidos)
toldam de sombras o teu rosto.

O meu rosto não reflecte a tua imagem,
o meu silêncio não te deixa falar,
o meu corpo não deixa que se juntem
as partes dispersas de ti em mim.

Eu sou talvez
aquele que procuras,
e as minhas dúvidas a tua voz
chamando do fundo do meu coração.


Manuel António Pina, in Poesia, Saudade da Prosa - uma antologia pessoal
Assírio & Alvim, 2012, 2ª ed., p. 44