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23 de abril de 2013

A força da palavra


Ilustração de Alexander Sulimov

O ser não existe a não ser quando se transforma em palavra. Imagina que desapareces; e que tudo aquilo que viveste e que disseste sobrevive apenas nalgumas memórias de gente que te conheceu; e finalmente, à medida que esses vão deixando de existir, a tua presença apaga-se, o teu nome, mesmo a tua identidade em fotografias de grupo onde, quando ninguém se lembrar de ti, vão perguntar, apontando para ti: Quem é esta? E depois passam a outro assunto, como se de facto nunca tivesses existido, simples sombra de um tempo que pensaste ter ajudado a construir, e que passou, para sempre, até ao fim de haver humanidade.

Nuno Júdice, in Os Passos da Cruz (2009), D, Quixote, 1ª ed., p. 43

O alter-ego


Em Os Passos da Cruz, também o narrador se funde com outra personagem masculina - Brás Teles, com quem Antónia Margarida de Castelo Branco foi casada antes de fugir para um convento, devido a maus tratos conjugais: 

Ilustração de Mike Worral


E surgiu-me uma dúvida: quem era eu? Seria esse que um dia decidira procurar o lugar onde vivera Antónia Margarida procurando uma resposta para os dramas de uma época em que o indivíduo pouco contava? Ou seria eu Brás Teles, que se apossara de mim próprio, e de quem me tornara um duplo? De facto, como acontece na maior parte dos romances, o narrador acaba por se confundir com o personagem, transferindo para dentro dele todo o seu universo.

Nuno Júdice, in Os Passos da Cruz (2009), D, Quixote, 1ª ed., p. 93