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31 de março de 2013

Reconheci tua presença

Ilustração de Laimonas Smergelis


Pela flor pelo vento pelo fogo
Pela estrela da noite tão límpida e serena
Pelo nácar do tempo pelo cipreste agudo
Pelo amor sem ironia - por tudo
Que atentamente esperamos
Reconheci tua presença incerta
Tua presença fantástica e liberta


Sophia de Mello Breyner Andresen, "Felicidade", in Livro Sexto 

30 de março de 2013

Caminho para a Páscoa


Ilustração de Laimonas Smergelis

Sozinha caminhei no labirinto


Aproximei meu rosto do silêncio e da treva 

Para buscar a luz dum dia limpo

Sophia de Mello Breyner Andresen, "Labirinto" in Livro Sexto

29 de março de 2013

Eis-me

Ilustração de Laimonas Smergelis


Eis-me
Tendo-me despido de todos os meus mantos
Tendo-me separado de adivinhos mágicos e deuses
Para ficar sozinha ante o silêncio
Ante o silêncio e o esplendor da tua face

Mas tu és de todos os ausentes o ausente
Nem o teu ombro me apoia nem a tua mão me toca
O meu coração desce as escadas do tempo em que não moras
E o teu encontro
São planícies e planícies de silêncio

Escura é a noite
Escura e transparente
Mas o teu rosto está para além do tempo opaco
E eu não habito os jardins do teu silêncio
Porque tu és de todos os ausentes o ausente


Sophia de Mello Breyner Andresen, in Livro Sexto 

28 de março de 2013

Amar-se a si mesmo

Ilustração de Laimonas Smergelis

Não é porque Deus nos ama que nós devemos amá-Lo. É porque Deus nos ama que nos devemos amar. Como é possível amar-se a si mesmo sem este motivo?


O amor a si mesmo é impossível ao homem a não ser através deste subterfúgio.


Simone Weil, in A gravidade e a graça

Implicação humana

Ilustração de Laimonas Smergelis 

Aquele que nos criou sem nós não nos salvará sem nós.


Santo Agostinho

27 de março de 2013

A existência de Deus

Ilustração de Laimonas Smergelis 

Se amarmos Deus pensando que não existe, ele manifestará a sua existência.


Simone Weil, in A gravidade e a graça

26 de março de 2013

O milagre da vida

Ilustração de Moony Khoa Le


Sou contra a dessacralização das coisas e das pessoas. Pelo contrário, acredito que o milagre da vida continua a ser sagrado. O milagre é a explicação inocente do mistério real que habita o homem, do poder que nele se dissimula. Não se pode morrer inculto, profano. Se não procuramos saber por que viemos a este mundo, qual o sentido superior da nossa existência na Terra, o que nos resta é esta sociedade desencantada, ignorante e materialista.


Rui Chafes, "O perfume das buganvílias 17" , in Entre o céu e a terra, Documenta, 2012





24 de março de 2013

Alimentar-se de luz

Só a privação faz sentir a necessidade. E, em caso de privação, o homem não pode impedir-se de se voltar para não importa o quê de comestível. 
Só há um remédio para isto: uma clorofila que permita alimentar-se de luz.

Ilustração de Mike Worral
Não julgar. Todos os erros são semelhantes. Existe apenas um erro: não possuir a capacidade de se alimentar da luz. Porque, estando esta capacidade anulada, todos os erros são possíveis.

                                                                                                          Simone Weil, in A gravidade e a graça

Ovos de coelho

Ilustração de Oxana Zaika

Não, disse o meu irmão. Quem põe ovos de chocolate são os coelhos da Páscoa, não são as galinhas de chocolate.



Evidentemente.




Afonso Cruz, "7 de Abril", in O livro do ano 

23 de março de 2013

Acreditar que é aquilo


Ilustração de Sanuel Ribeyron

Uma mulher muito bonita que olha a sua imagem ao espelho pode muito bem acreditar que é aquilo. Uma mulher feia sabe que não é aquilo.

Simone Weil, in A gravidade e a graça

22 de março de 2013

Carregar primaveras

Ilustração de Isabel Hojas
Como é que as andorinhas - tão pequenas - podem carregar Primaveras tão grandes?

São como as formigas, disse-me a minha mãe.

Afonso Cruz, "30 de Março", in O livro do ano

21 de março de 2013

Poética

Ilustração de Amanda Cass

Quero que o meu poema fale de barcos e de azul, fale
do mar e do corpo que o procura, fale de pássaros e
do céu em que habitam. Quero um poema puro, limpo
do lixo das coisas banais, das contaminações de quem
só olha para o chão; um poema onde o sublime nos
toque, e o poético seja a palavra plena. É este poema
que escrevo na página branca com a parede que
acabou por ser caiada,com as suas imperfeições
apagadas pela luz do dia, e um reflexo de sol
a gritar pela vida. E quero que este poema desça
às caves onde a miséria se acumula, aos bancos onde
dormem os que não têm tecto nem esperança,
às mesas sujas dos restos da madrugada, às
esquinas onde a mulher da noite espera o último
cliente, ao desespero dos que não sabem para onde
fugir quando a morte lhes bate à porta. E canto
a beleza que sobrevive às frases comuns, às
palavras sujas pelo quotidiano dos medíocres,
aos versos deslavados de quem nunca ouviu
o grito do anjo. E digo isto para que fique, no
poema, como a pedra esculpida por um fogo divino.

Nuno Júdice, in A matéria do poema

Primavera

Ilustração de Juri Romanov




Fiquei à janela a ver a noite
deitar os pássaros nos ninhos. 


Afonso Cruz, "21 de Março" in O livro do Ano

20 de março de 2013

Anunciação da primavera


Ilustração de Marie Cardouat
São as primeiras frésias do ano:

vieram da Holanda 

para que a primavera entrasse 

em janeiro pela casa dentro. 

Com o seu aroma e o vento solar 

farei o lume,

farei o lume onde aquecer as mãos 

e de chama em chama regressar 

às oliveiras do sul lentas e claras, 

ao azul estendido nas pedras nuas 

da Cantareira, 

aos pardais ardendo nos ramos 

do crepúsculo com a luz derradeira.


Eugénio de Andrade, in Os lugares do lume

18 de março de 2013

Migalhas de palavras

Ilustração de Afonso Cruz



Gosto de atirar palavras aos pombos.



Apesar de eles preferirem migalhas.



Afonso Cruz, "30 de Junho", in O livro do ano

16 de março de 2013

Não chames ao mundo morada

Ilustracão de LooKarna

Não chames ao mundo morada, não lhe dês um nome 
pois falhas a tua Primavera
as sugestões atmosféricas tornam as paisagens equívocas
e nunca chegamos a perceber
como avança uma história
ou uma tempestade

Diante da janela iluminada
acredita apenas na duração
do amor

José Tolentino Mendonça

15 de março de 2013

Alberto Caeiro

Ilustração de Afonso Cruz

Pus em Caeiro todo o meu poder de despersonalização dramática.

Fernando Pessoa



Era a voz da terra que é tudo e ninguém.

Álvaro de Campos



A vida de Caeiro não pode narrar-se, pois que não há nada que narrar. Seus poemas são o que houve nele de vida. Em tudo o mais não houve incidentes nem há história.

Ricardo Reis



Há metafísica bastante em não pensar em nada


Ilustração de Lombardini Marco

Ilustração de Virpi Pekkalan


Há metafísica bastante em não pensar em nada. 

O que penso eu do mundo? 
Sei lá o que penso do mundo!
Se eu adoecesse pensaria nisso.

Que ideia tenho eu das coisas?
Que opinião tenho sobre as causas e os efeitos?
Que tenho eu meditado sobre Deus e a alma
E sobre a criação do Mundo?
Não sei. Para mim pensar nisso é fechar os olhos 
E não pensar. É correr as cortinas
Da minha janela (mas ela não tem cortinas).

O mistério das coisas? Sei lá o que é mistério!
O único mistério é haver quem pense no mistério.
Quem está ao sol e fecha os olhos,
Começa a não saber o que é o sol
E a pensar muitas coisas cheias de calor.
Mas abre os olhos e vê o sol,
E já não pode pensar em nada,
Porque a luz do sol vale mais que os pensamentos
De todos os filósofos e de todos os poetas.
A luz do sol não sabe o que faz
E por isso não erra e é comum e boa.
Ilustração de Joan Louis
Metafísica? Que metafísica têm aquelas árvores?
A de serem verdes e copadas e de terem ramos
E a de dar fruto na sua hora, o que não nos faz pensar,
A nós, que não sabemos dar por elas.
Mas que melhor metafísica que a delas,
Que é a de não saber para que vivem
Nem saber que o não sabem?

"Constituição íntima das coisas"...
"Sentido íntimo do Universo"...
Tudo isto é falso, tudo isto não quer dizer nada.
É incrível que se possa pensar em coisas dessas.
É como pensar em razões e fins
Quando o começo da manhã está raiando, e pelos lados das árvores
Um vago ouro lustroso vai perdendo a escuridão.

Pensar no sentido íntimo das coisas
É acrescentado, como pensar na saúde
Ou levar um copo à água das fontes.
O único sentido íntimo das coisas 
É elas não terem sentido íntimo nenhum.
Não acredito em Deus porque nunca o vi.
Se ele quisesse que eu acreditasse nele,
Sem dúvida que viria falar comigo
E entraria pela minha porta dentro
Dizendo-me, Aqui estou!

(Isto é talvez ridículo aos ouvidos
De quem, por não saber o que é olhar para as coisas,
Não compreende quem fala delas
Com o modo de falar que reparar para elas ensina.)

Mas se Deus é as flores e as árvores
E os montes e o sol e o luar,
Então acredito nele,
Então acredito nele a toda a hora,
E a minha vida é toda uma oração e uma missa,
E uma comunhão com os olhos e pelos ouvidos. 

Ilustração de Victoria Kirdy


Mas se Deus é as árvores e as flores 
E os montes e o luar e o sol,
Para que lhe chamo eu Deus?
Chamo-lhe flores e árvores e montes e sol e luar;
Porque, se ele se fez, para eu o ver,
Sol e luar e flores e árvores e montes,
Se ele me aparece como sendo árvores e montes
E luar e sol e flores,
É que ele quer que eu o conheça
Como árvores e montes e flores e luar e sol. 

Ilustração de Ingrid Mann-Willis

E por isso eu obedeço-lhe,
(Que mais sei eu de Deus que Deus de si próprio?).
Obedeço-lhe a viver, espontaneamente,
Como quem abre os olhos e vê,
E chamo-lhe luar e sol e flores e árvores e montes,
E amo-o sem pensar nele,
E penso-o vendo e ouvindo,
E ando com ele a toda a hora.

Alberto Caeiro, "Poema quinto" in O Guardador de Rebanhos

Panteísmo


Ilustração de Asako Eguchi

Os Antigos viam Deus por detrás de cada erva, cada pedra, cada nuvem, cada criança que nascia. Tudo era apenas visão e voz, outra voz: a Natureza falava. O vento que passava nas folhas das árvores, a espuma do mar, o silêncio, o aroma...tudo era rasto da Sua presença. E existiam rituais que introduziam o mito na realidade e o tornavam parte da vivência diária. A arte era o espelho dessa íntima relação, era o produto do seu encantamento, era a testemunha e o motor dessa magia. "Um homem é um deus mortal, um deus é um homem imortal", disse Heraclito. Como se costuma explicar às crianças, os deuses fizeram os homens e os homens fizeram os deuses.

Rui Chafes, "O perfume das buganvílias 17" , in Entre o céu e a terra, Documenta, 2012

14 de março de 2013

Gato que brincas na rua

Ilustração de Amy Lyn Bihrle
Gato que brincas na rua
Como se fosse na cama,
Invejo a sorte que é tua
Porque nem sorte se chama.

Bom servo das leis fatais
Que regem pedras e gentes,
Que tens instintos gerais
E sentes só o que sentes.

És feliz porque és assim,
Todo o nada que és é teu.
Eu vejo-me e estou sem mim,
Conheço-me e não sou eu.

                                         Fernando Pessoa

O menino de sua mãe

Ilustração de Horacio Gatto

No plaino abandonado
Que a morna brisa aquece,
De balas trespassado
- Duas, de lado a lado -,

Jaz morto, e arrefece.
Raia-lhe a farda o sangue.
De braços estendidos,
Alvo, louro, exangue,
Fita com olhar langue
E cego os céus perdidos.
Tão jovem! Que jovem era!
(Agora que idade tem?)
Filho único, a mãe lhe dera
Um nome e o mantivera:
«O menino de sua mãe.»
Caiu-lhe da algibeira
A cigarreira breve.
Dera-lhe a mãe. Está inteira
E boa a cigarreira.
Ele é que já não serve.
De outra algibeira, alada
Ponta a roçar o solo,
A brancura embainhada
De um lenço… deu-lho a criada
Velha que o trouxe ao colo.
Lá longe, em casa, há a prece:
“Que volte cedo, e bem!”
(Malhas que o Império tece!)
Jaz morto e apodrece
O menino da sua mãe.
Fernando Pessoa

13 de março de 2013

Isto

Ilustração de Sara Olmos
Dizem que finjo ou minto
Tudo o que escrevo. Não.
Eu simplesmente sinto
Com a imaginação.
Não uso o coração.

Tudo o que sonho ou passo,
O que me falha ou finda,
É como que um terraço
Sobre outra coisa ainda.
Essa coisa que é linda.

Por isso escrevo em meio
Do que não está ao pé,
Livre do meu enleio,
Sério do que não é.
Sentir! Sinta quem lê!

Fernando Pessoa

Ela canta, pobre ceifeira

Ilustração de Virpi Pekkalan
Ela canta, pobre ceifeira, 
Julgando-se feliz talvez;
Canta, e ceifa, e a sua voz, cheia
De alegre e anónima viuvez,

Ondula como um canto de ave
No ar limpo como um  limiar,
E há curvas no enredo suave
Do som que ela tem a cantar.

Ouvi-la alegra e entristece,
Na sua voz há o campo e a lida,
E canta como se tivesse
Mais razões pra cantar que a vida.

Ah, canta, canta sem razão!
O que em mim sente ‘stá pensando.
Derrama no meu coração a tua incerta voz ondeando!

Ah, poder ser tu, sendo eu!
Ter a tua alegre inconsciência,
E a consciência disso! Ó céu!
Ó campo! Ó canção! A ciência

Pesa tanto e a vida é tão breve!
Entrai por mim dentro!
Tornai minha alma a vossa sombra leve!
Depois, levando-me, passai!


Fernando Pessoa










11 de março de 2013

Autopsicografia



Pintura de Júlio Pomar

O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.

E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.

E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.

                                               Fernando Pessoa, 1932

10 de março de 2013

O alimento das árvores

Ilustração de Nicoletta Ceccoli
As árvores alimentam-se de luz, diz a minha mãe.

Devem comê-la toda, sofregamente,
pois ao fim do dia já acabaram com ela.
Fica tudo às escuras.

Afonso Cruz, "15 de Abril", in O livro do ano

8 de março de 2013

Sonho. Não sei quem sou neste momento


Sonho. Não sei quem sou neste momento.
Durmo sentindo-me. Na hora calma
Meu pensamento esquece o pensamento,
Minha alma não tem alma.

Se existo, é um erro eu o saber. Se acordo
Parece que erro. Sinto que não sei.
Nada quero nem tenho nem recordo.
Não tenho ser nem lei.

Desenho de Júlio Pomar


Lapso da consciência entre ilusões,
Fantasmas me limitam e me contêm.
Dorme insciente de alheios corações,
Coração de ninguém.

                                      Fernando Pessoa

Entre o sono e o sonho

Ilustração de Lucio Lopez Cansuet-Kansuet

Entre o sono e o sonho, 
Entre mim e o que em mim
É o quem eu me suponho
Corre um rio sem fim.

Passou por outras margens,
Diversas mais além,
Naquelas várias viagens
Que todo o rio tem.

Chegou onde hoje habito
A casa que hoje sou.
Passa, se eu me medito;
Se desperto, passou.

E quem me sinto e morre
No que me liga a mim
Dorme onde o rio corre —
Esse rio sem fim.

Fernando Pessoa

Sabes quem sou?

Ilustração de Fernando Falcone


Sabes quem sou? Eu não sei.
Outrora, onde o nada foi,
Fui o vassalo e o rei.
É dupla a dor que me dói.  
Duas dores eu passei.

Fui tudo que pode haver.
Ninguém me quis esmolar;
E entre o pensar e o ser
Senti a vida passar
Como um rio sem correr.

                                 Fernando Pessoa

6 de março de 2013

Arte de dentro para fora

Ilustração de Duy Huyn

Há artistas que trabalham de dentro para fora, há artistas que trabalham de fora para dentro. Os primeiros trazem um imenso mundo dentro de si e vivem na necessidade imparável e na urgência de o trazer para fora; os outros limitam-se a recolher os elementos do mundo e a reorganizá-los à sua maneira. Só podemos oferecer o que não nos cabe na mão.


Rui Chafes, "O perfume das buganvílias 27" , in Entre o céu e a terra, Documenta, 2012

5 de março de 2013

Mar sonoro


Ilustração de Quentin Gréban



Mar sonoro, mar sem fundo, mar sem fim,

A tua beleza aumenta quando estamos sós

E tão fundo intimamente a tua voz

Segue o mais secreto bailar do meu sonho,

Que momentos há em que eu suponho

Seres um milagre criado só para mim.



Sophia de Mello Breyner Andresen

3 de março de 2013

Dignificação do real

Ilustração de Kazu Nitta

O homem dignifica aquilo a que chamamos vida quando tem consciência de participar numa dimensão superior que o transcende.

Rui Chafes, "O perfume das buganvílias 17" , in Entre o céu e a terra, Documenta, 2012

Horizonte


Ilustração de Raffaele Conte


Se a linha azul do mar tanto nos seduz é também porque essa imensidão nos lembra o nosso verdadeiro horizonte.

José Tolentino Mendonça, in O hipopótamo de Deus e outros textos,
ed. Assírio & Alvim

2 de março de 2013

O mar. O mar novamente à minha porta.

Ilustração de Mariana Kalacheva

O mar. O mar novamente à minha porta.
Vi-o pela primeira vez nos olhos
de minha mãe, onda após onda,
perfeito e calmo, depois,

contra falésias, já sem bridas.
Com ele nos braços, quanta,
quanta noite dormira,
ou ficara acordado ouvindo

seu coração de vidro bater no escuro,
até a estrela do pastor
atravessar a noite talhada a pique
sobre o meu peito.


Este mar, que de tão longe me chama,
que levou na ressaca, além dos meus navios?

Eugénio de Andrade, in Branco no branco


Ilustração de Jeffrey Larson


As ondas quebravam uma a uma
Eu estava só com a areia e com a espuma
Do mar que cantava só para mim.

Sophia de Mello Breyner Andresen, in Dia do Mar

1 de março de 2013

Fundo do mar

Ilustração de Ani Castillo

No fundo do mar há brancos pavores
Onde as plantas são animais
E os animais são flores.

Mundo silencioso que não atinge
A agitação das ondas.
Abrem-se rindo conchas redondas,
Baloiça o cavalo-marinho.
Um polvo avança
No desalinho
Dos seus mil braços,
Uma flor dança,
Sem ruídos vibram os espaços. 
Sobre a areia o tempo poisa
Leve como um lenço.

Mas por mais bela que seja cada coisa
Tem um monstro em si suspenso.

Sophia de Mello Breyner Andresen, in Mar