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7 de maio de 2012

Os papéis de K.

Quando lemos uma obra, o que nos faz reconhecer que estamos perante uma obra literária? O que nos diz que ou se se trata ou não de literatura ?

Ilustração de Sam Hyuen Kim
Perante Os Papéis de K., de Manuel António Pina, a suspeita começou com a leitura da contra-capa (abstendo-me da irredutibilidade de estar perante o vencedor do Prémio Camões 2011), que anunciava a relação escritor/leitor e a relação ficcional do leitor com o próprio texto e fazia adivinhar uma construção narrativa complexa, para não dizer hábil.

A leitura de tão breves páginas (cerca de 70) foi emocionante, imparável. E surpreendente. Surpreendente pela clareza e fluidez (quase contenção!) da linguagem num processo narrativo que vai desvelando as personagens que se inventam e reinventam. Terá sido, afinal, tudo inventado?

"De qualquer modo, a memória é uma ficção e o passado uma espécie de sonho que nos sonha tanto quanto o sonhamos nós. Mas será que dois homens podem sonhar o mesmo sonho, ou o mesmo sonho sonhá-lo a ambos?" (p. 75).

Sonho, ficção, alucinação, construção... não será isso mesmo a literatura? Construção, sim, pois à aparente simplicidade, ao aparente fluir da escrita subjaz a arquitetura narrativa na construção, no entretecer de apagar e refazer (desfazer?) as personagens e a diegese.

Manuel António Pina, Os Papéis de K., uma questão indubitável de literatura. Para quem gosta de apreciar a arte da escrita. Para ler e reler. E envolver-se.

Mª Carla Crespo